terça-feira, 28 de setembro de 2010

Historias do Túnel das Antas

PC já tinha vários apoios associativos e alguns conselheiros na mão, e caso o presidente
do CA não se deixasse influenciar, este já sabia que tinha os dias contados. Poucos foram os
que conseguiram gerir com independência o sector. PC estava consciente da força que tinha
e das alianças que possuía. Arrastava atrás de si uma grande força popular, argumentando
com bandeiras políticas regionais; mas o que o seguiam de perto iam-se afastando, logo que
verificavam que aquela bandeira servia apenas para encobrir os seus negócios e não perder o
poder popular tão útil em situações menos favoráveis.
PC era capaz de tudo para ganhar. Para ele, não existiam barreiras nem personalidades.
Habitou-se a esmagar quem se lhe atravessasse no caminho. Duas semanas antes de um
jogo entre gigantes (Porto-Benfica) e onde se iria discutir o título, teve um encontro com o
presidente do Conselho de Arbitragem, naquela altura um homem isento e honesto, mas com
a consciência de que tinha de ter uma certa flexibilidade em algumas situações. A nomeação
do árbitro para esse jogo era extremamente importante, e o assunto foi discutido entre os
dois:
-Que árbitro é que lhe agradava para fazer o seu jogo?
PC não respondeu. Pensou um pouco, pegou num papel e escreveu o nome de um
árbitro de Setúbal(Carlos Valente), entregando o papel ao presidente do CA. Este analisou-o e
concordou com a situação, até porque o árbitro tinha qualidade e não era daqueles que
normalmente negociavam nos bastidores.
O clube rival acabou por saber quem era o árbitro e também quem o tinha escolhido. O
responsável pelo futebol desse clube, homem muito traquejado e capaz de fazer frente a PC,
colocou um plano em marcha. Desconfiado de que PC já tinha o árbitro controlado, contactou
com um dos seus fiscais de linha e negociou com ele o resultado do encontro.
Tudo se passou nos arredores da capital no campo de um clube de escalão inferior, onde
esse fiscal de linha treinava habitualmente com outros árbitros. Só que, no dia em que o
responsável do clube da capital se foi encontrar com o tal fiscal de linha, o encontro foi
presenciado por alguém que também tratava da sua forma física. Este, desconfiado, no dia
seguinte ligou para Pinto da Costa.
-Queria falar com o Senhor Pinto da Costa.
-Da parte de quem? - responderam do lado de lá da linha.
-Diga-lhe por favor que fala Maciel Feijoca.
Bzzz, click...
-Olá, está bom? Então o que é que manda? - perguntou PC do lado de lá do fio.
-PC, ontem vi o Gaspar Ramos a falar com um dos fiscais de linha do árbitro que vos vai
apitar no domingo. Ponha-se a pau.
-Ah, sim! Esse gajo está fodido comigo! Vou já tratar do assunto.
Depois de desligar o telefone, PC, lívido de raiva, ordenou que lhe fizessem uma
chamada para o presidente do CA. Logo que este lhe surgiu do lado de lá do fio, entrou a
matar:
-Tem de me mudar o árbitro do nosso jogo!
-Então não foi você que o escolheu?
-Pois escolhi, mas soube agora que o Gaspar Ramos já contactou com um dos seus
fiscais de linha.
-Isso pode não querer dizer nada, e a faltarem três dias para o jogo não vou substituir o
árbitro. Isso seria um escândalo.
-Mas tem de ser, senão eu vou fazer um barulho dos diabos.
-Faça aquilo que quiser, desde que seja você a assumir essa responsabilidade. Pode até
dizer aos jornais que sabe desse encontro. A responsabilidade é sua.
Sentindo a inflexibilidade do presidente do CA, ligou de imediato a Adriano Pinto, o
homem que o socorria nos momentos de maior aflição, mas nem este conseguiu demover o
presidente do CA da sua atitude.
Pinto da Costa colocou então em movimento uma outra estratégia e, através dos meios
de comunicação social, criticou aquela nomeação, levando, como era seu hábito, o assunto
ao rubro. O certo é que no dia do jogo confirmaram-se as suspeitas, e o tal juiz de linha que
fora visto a ser contactado pelo dirigente do clube adversário não se portou nada bem,
prejudicando o clube de PC. Para agravar, um habitual suplente (César Brito) da equipa
adversária até bisou, dando a vitória e o título à sua equipa. Pela primeira vez, o assalariado
de PC que treinava a equipa (Artur Jorge) deixou o verniz estalar, chorando baba e ranho na
cara do dito juiz de linha.
À saída, os árbitros setubalenses levaram uma grande sova, e o chefe de equipa,
coitado, sem saber de nada, até levou porrada da mulher de Reinaldo Teles.
-Mas, meus amigos, eu não tenho nada a ver com isto, como vocês sabem - desabafava
o apitador, enquanto colocava pomada na zona atingida. - O que é que eu fiz para merecer
isto? Como é que vou explicar à minha mulher estas arranhadelas nas costas? - E, mesmo
sendo um homem valente, começou a choramingar...
Pinto da Costa teve durante toda essa semana de provar o sabor amargo de que, afinal
não conseguia controlar todas as situações. Sentiu que tinha de refinar os seus métodos e
mandou chamar Reinaldo Teles para discutirem os dois o problema.
Reinaldo Teles entrou envergonhado no gabinete do presidente. Não sabia o que dizer.
Ele que julgava que tinha o mundo da arbitragem na mão, que tinha inclusive aconselhado o
seu presidente a escolher aquele árbitro, e que acabou por ser traído.
Pinto da Costa quando viu o seu «vice» entrar no seu gabinete, de cabeça baixa, disse
num tom apaziguador:
-Não vale a pena estarmos agora a bater mais no ceguinho. Temos é de tomar medidas
para que uma coisa destas não volte a acontecer.
-Ó presidente, sabe que não controlamos os árbitros todos.
-Sei muito bem disso, mas a partir de agora, para estes jogos mais importantes, temos
de fazer com que sejam nomeados árbitros da nossa inteira confiança e que alinhem no
escândalo, se for necessário. O mais importante é ganharmos.
Reinaldo ficou mais animado com as palavras do presidente e lançou um alerta:
-Isto até é mau para o nosso negócio. Os outros árbitros começam a perder-nos o
respeito, e nós acabamos por perder não só o controlo da situação com também aquela
dinheirinho que entra todas as semanas.
-O povo é de memória curta, e com mais umas vitórias esquece o que aconteceu no
domingo.

Fonte:
Blog http://vedetadabola.blogspor.com
Livro: Golpe de Estádio
de Marinho Neves

Sem comentários: